Hoje em dia, as pessoas têm uma idéia equivocada do que seja um trabalhador. Ainda impera o concetio de que, se o sujeito não pega no cabo da enxada do raiar do dia ao pôr-do-sol, ele é um vagabundo.

O Rogério de Moura, o médium cinematográfico que me incorpora, sempre reclama desses momentos de preconceito para com o sujeito cuja expressão “pegar no cabo da enxada” se aplica mas de uma maneira não tradicional. Na verdade, como uma das coisas que ele faz é roteiro para cinema, ele pega “no cabo da estrutura aristotélica”. E, para isso, não é necessário acordar às cinco da manhã. Na verdade, ele me confessou que às cinco da manhã ele está indo para a cama dormir. Isso se não pintar alguma idéia no trajeto do computador à cama.

O Rogério comentou a respeito do efeito pisca-pisca: ele acabou de escrever algo num roteiro. Daí, vai dormir. Desliga o computador, deita-se na cama e apaga a luz. Só que aí, surge outra boa idéia para a história que estava escrevendo. O que resta fazer? Acender a luz, religar o computador e voltar a escrever. Terminando a idéia, recomeça tudo novamente. Deligar o computador, deitar na cama, apagar a luz. Só que aí, surge outra idéia. Resumindo: boa parte da noite se converte num eterno apagar e desligar das luzes. Ou seja: o tal do efeito pisca-pisca.
 
Pensei no Rogério porque estou agora incorporado no corpo dele, na varanda da casinha de sapê, diante do lap-top, olhando para o quintal. Mais precisamente no buraco onde enterrei o meu Master Suco.

O Master Suco é uma maravilha. Acho que boa parte das pessoas que têm TV em casa já viu um infomercial no qual as pessoas espremem pedaços de laranja, abacaxi, melancia, beterraba, brócolis, couve e etc., nesse aparelho e, da boquinha deste sai um suco. Dá pra fazer inimagináveis combinações. Garanto que a qualidade e a consistência do suco são inigualáveis, como anuncia o comercial.

O suco fica pronto em segundos. Rápido e prático para fazer. E fica uma delícia.

O problema não é a rapidez em fazer o suco. Leva-se cinco segundos para fazer qualquer deliciosa combinação. O grande deslize do aparelho é que é necessário duas horas pra limpá-lo.

Quando comprei meu Master Suco, fiquei empolgadíssimo. Pensei, vou tomar suco o dia inteiro, fazendo as mais inimagináveis combinações: brócolis com cenoura e couve. Laranja com hortelã e abacaxi.

Mas, duas semanas depois, não aguentava mais as intermináveis horas que levava para limpar o aparelho. Era obrigado a desmontar cada peça e retirar as fibras das frutas e legumes que ficavam na ventoinha e no filtro. 

Duas semanas depois, desisti do aparelho e voltei ao meu bom e velho liquidificador, enterrando meu Master Suco na boca do sapo. E está até hoje lá, em meio a terra, com formigas tentando arrancar as fibras das frutas e legumes que resistiam em sair do aparelho.

Eparrei!
E aí, finalmente, revelou-se, depois de décadas, os malefícios do cigarro e das substâncias tóxicas nele contidas. Isso, depois do cigarro ter matado milhões de pessoas. Propinas pagando uma bela grana para políticos e afins para que os malefícios do cigarro fosses empurrados para debaixo do tapete o máximo possível. Só que não deu mais e agora temos o que temos aí e o mundo sabe: cigarro faz mal a saúde.

Depois, chegou a vez da gordura trans. Quase tudo na indústria alimentícia foi fabricado usando a gordura trans. Deu-se o mesmo que aconteceu com o cigarro: foi-se envenenando milhões de pessoas e escondendo o resultado o máximo possível. Caiu a casa dos transgênicos e deu no que deu.

Os agrotóxicos ainda reinam, absolutos, sem que ninguém cogite mexer no poderio.

Todos os equipamentos de refrigeração emitem gases que destroem a camada de ozônio. Por anos foi assim. Esconderam o quanto puderam. Só que agora...

Há alguns casos que ainda estão escondendo: por exemplo, a parafina que a indústria utiliza para deixar o arroz refinado mais "bonito e soltinho" e que entope o coração tanto quanto um churrasquinho de costela gordurosa.

Mas, o que importa é a indústria. A saúde das pessoas só será levada em conta quando não tiver jeito de esconder os malefícios dos produtos industrializados vendidos à população.

E, num futuro distante, ainda vai cair a ficha sobre o quanto é nocivo o uso indiscriminado do automóvel. Tem gente que utiliza até para ir à padaria da esquina.

Mas, no momento, o que interessa é a indústria e o mercado. Oras, que o povo continue morrendo!

Eparrei!
Certo dia presenciei um sujeito estufando o peito e gritando orgulhoso: “Eu sou ladrão! Sou cadeeiro! Sou do PCC!”. Assim gritava como se tivesse sido diplomado em Medicina horas antes E, num absurdo contraste, presenciei outra cena, ocorrida noutro dia: um sujeito  tristonho, cabisbaixo, dizendo, baixinho, como estivesse confessando um pecado imperdoável: “Eu sou professor!” Triste retrato de uma triste inversão de valores.

O Pimenta Neves (rico) foi preso. Caminhou em direção à viatura sorrindo e acenando para as câmeras. Como o Cacciola, que voltou deportado de Mônaco e, em solo brasileiro, deu coletiva como se fosse um pop star.

Não fez duas semanas, um menor (pobre) matou duas meninas a facadas. Na delegacia, riu para as câmeras.  Uma promotora (rica) simulou um surto psicótico diante das câmeras após a explosão de um escândalo na qual estava envolvida.

Poderia citar milhares de exemplos. A maioria, ocorridos neste ano. E estamos em maio.  O ano de 2011 está saindo da infância e entrando na adolescência. E aconteceram pelo menos dois crimes-que-deixaram-o-país -estarrecido" por mês. Ainda podemos considerar que o ano está começando. Sem lembrar da cada do Delúbio, retornando em festa, ovacionado pelo PT, na época do mensalão rindo para as câmeras e dizendo que tudo iria virar piada de salão. Não deu outra.

Os crimes não chocam mais. Na realidade, a única coisa que deixa o brasileiro chocado são três derrotas consecutivas de seus times de futebol. Isso sim é capaz de mobilizar uma multidão em protesto diante das sedes de seus respectivos clubes.

Os criminosos, os infratores, ricos ou pobres, graças à impunidade brasileira, perderam o pudor, a vergonha do que cometeram. Pelo contrário, se orgulham, como se tivessem inventado uma vacina contra o câncer.

Penso seriamente em liderar uma campanha de conscientização da bandidagem e corruptos em geral: “Se você for cometer algum crime, demonstre um mínimo de pudor diante das câmeras.” “Demonstrem sentir um mínimo de vergonha pelo ato criminoso.”

Afinal de contas, do jeito como eles demonstram o orgulho no que fazem, mais brasileiros de má índole, cientes (com toda razão) da impunidade, irão juntar-se a eles. Convenhamos, trata-se de aumento de concorrência e diminuição dos lucros.

Eparrei!

Recebi, hoje, a visita de outro médium amigo meu, o Jeferson De, que veio conhecer minha casinha de sapê. Mal chegou e incorporou o Guimarães Rosa. O Jeferson gritou "Eparrei!" e, em questão de segundos, eu estava diante de um dos maiores gênios da literatura brasileira e, justiça seja feita, mundial. Perguntei-lhe como foi a sensação de escrever a palavra "fim" assim que terminou de escrever o "Grande Sertão Veredas".

Ele disse: "Eu não sentia nada. Só uma transformação pesável. Muita coisa importante falta nome."

Nesse momento, o Saci surgiu, com o rosto pálido. Saci com o rosto pálido significa notícia ruim. E não deu outra: faleceu o mestre Abdias do Nascimento. Todos os negros e todos os terreiros deste país estão de luto. Vai-se embora mais um ícone de luta pela igualdade e pela dignidade. Vai-se embora o ator, poeta, artista plástico, diretor e dramaturgo, militante da luta contra a discriminação racial e pela valorização da cultura negra. Abdias do Nascimento.

Mas o Guimarães Rosa incorporado pelo Jeferson consolou-nos resgatando mais uma genial frase de sua interminável galeria: "A gente não morre, fica encantado."

Encantou-se Abdias do Nascimento. Viva Abdias!

Axé!


Da varanda da minha casinha de sapê, na Zona Leste, com meu lap-top-pangaré-vira-latas, com Windows 98, este jovem preto velho, incorporado pelo Rogério de Moura, observava as coisas cotidianas da vida. No quintal de casa, uma aranha embalava uma mosca em sua teia. Minutos antes, essa mosca pousou na minha cabeça, depois no meu nariz. Incomodado, peguei minha sandália de couro e aproximei-me sorrateiramente do inseto enquanto ela repousava sobre a madeira da varanda. Antes que eu pudesse lhe tascar uma “chinelada”, do nada, surgiu a aranha, saltando sobre a mosca desavisada. Quase que este preto velho havia estragado a refeição de alguém. Também observava um gato abocanhando um pombo. Observava também um acidente de automóvel diante do portão, envolvendo dois motoristas bêbados. Aliás, dirigir bêbado é um esporte nacional. Um esporte do qual os adeptos adoram e se recusam a abandonar.

Foi quando surgiu meu grande amigo, o Saci-Pererê. Como as matas  foram invadidas por condomínios de luxo  ou invasões sem luxo, o saci ficou sem lar. Resolveu viajar pelo mundo. Dessa vez, passou pelo Butão, um reinado situado no Himalaia.

Trouxe-me torresmo, feito do porco butanês. No Butão, é terminantemente proibido fumar cigarro. Maconha, então, nem pensar. No entanto, é liberado alimentar os porcos com a cannabis.  Algo que uma é tradição local.

Sou um torresmista de carteirinha, filiado ao Sindicato dos Comedores de Torresmo do Estado de São Paulo.  Mas fiquei com receio de provar o torresmo butanês. O saci insistiu que não havia perigo e não resisti. Realmente, o torresmo estava delicioso. Foi uma sensação inigualável sentir a textura crocante da crosta mesclar-se à maciez da parte interna. Os botecos daqui costumam colocar muito sal em nossos torresmos brazucas. Ao contrário dos torresmos butaneses, que privilegiam a variedade dos temperos. Os Bar do Pedrinho, ao lado do meu casebre, são o que eu posso chamar de torresmo de sal. 

Tão logo provei o torresmo butanês, o saci desapareceu por entre os arbustos, não sem antes despedir-se com uma gargalhada. E eu segui observando o cotidiano diante da minha varanda. A aranha costurava um vestido de noiva para a mosca, a pomba bicava o gato e duas motoristas bêbadas dançavam em cima de seus carros enquanto tiravam as roupas. 
Eparrei!

Tempos atrás, no lago de Brasília, um naufrágio. Não me recordo se morreram mais de uma pessoa, mas a principal vítima foi um ator e comediante do qual eu era fã, Arnon Rodrigues. Poucas bóias e botes salva-vidas.

Ontem, outro barco, mais de cem pessoas, festa... Naufrágio. Um bebê morreu... desparecidos. Poucas bóias e botes salva-vidas. O folheto da festa dizia: "O evento será inesquecível". E foi mesmo.

Nos dois acidentes, um barco com excesso de pessoas e poucos equipamento de segurança, prepotência e desleixo.

A gente não aprende mesmo!

Um pai em lágrimas pela filha que morreu no incidente. Porque ele deixou a filha ir? Custava desconfiar? É só reunir alguns elementos: 1 - Estamos no Brasil, país do "foda-se". 2 - Prevenção e segurança zero. 3 - Acidentes que já aconteceram em tais eventos. 4 - Falta de segurança e desprezo pela prevenção de acidentes são coisas endêmicas por aqui. 5 - Qualquer desgraça que acontecer, esqueça a Justiça, pois entre morosidade e excesso de recursos, não irá receber alguma indenização em menos de cinquenta anos e, convenhamos, é difícil continuar vivo até lá. 6 - Sempre haverá um "inquérito" que, ao final, nada concluirá e empurrará a sujeira para debaixo do tapete.

Basta somar esse dois-mais-dois e concluir que não deveria deixar a um evento desses jamais. A proporção para que ocorra uma desgraça é noventa por cento.

Simples. Mas, o problema do "simples" é que, pelo fato de ser "simples", é "complicado" de se ver.

Acidente no Lago Paranoá