Contemplava uma taturana devorando um pé de couve quando recebi, na minha casa de sapê, a visita de outro médium cinematográfico, o Reinaldo Pinheiro de Oxóssi.

Coloquei na vitrola um vinil do Raul Seixas. Nesse momento, o Reinaldo contorceu os olhos e, numa fração de segundos, o espírito do Raul Seixas baixou nele. Não foi a primeira vez que conversei com o Raulzito

Depois dos cumprimentos de praxe, a primeira pergunta que lhe fiz:

- Como é, viver... ops!

O Raul riu. Tentei pensar numa palavra ideal. Afinal, "viver" não se aplica a um ser não carnal. Tem gente que diz que cemitério é onde "vivem" os mortos. Uma gafe verbal, é claro. E encontrei a palavra adequada: "Como é existir nas quebradas do além?"

- Ótimo! - disse o Raul, com um sorriso do tamanho do infinto. - Se a arte de ser louco é jamais cometer a loucura de ser um sujeito normal, agora posso cometer a loucura de não ser um espírito normal.

Perguntei-lhe sobre o que achava do Brasil atual. Ele disse que o país sempre foi uma maravilha.

- Mas, antes você não criticava?

- Meu Jovem Preto Velho, quero dizer agora o oposto do que eu disse antes, eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.

Quanto aos partidos políticos, o Raul disse:

- Todos os partidos são variantes do absolutismo. Não fundaremos mais partidos; o Estado é o seu estado de espírito. Agora, literalmente.

Perguntei ao Raulzito sobre o que ele achava a respeito da passividade do brasileiro diante da corrupção endêmica, em todos os setores. Ao pensamento inconsciente de que, "se eu estivesse no lugar do corrupto, estaria fazendo a mesma coisa."

O Raul sentenciou:

- Isso não é exclusividade dos brasileiros. O mundo inteiro padece desse comportamento. O sonho da humanidade é ter bastante dinheiro, uma bela televisão e um sofá confortável. E assim, poder ficar sentado, ligando para o disque pizza-hamburguer-esfiha-cerveja e curtir a vida com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar."

Por último, o Raul disse que havia encontrado a Amy Winehouse numa das quebradas do além. Perguntei-lhe o que cantora estava achando do mundo extra-corpóreo. Ele disse que ela estava curtindo.

- A Amy não se arrepende de nada do que fez em vida, a não ser uma coisa: ter enchido a cara por causa do marido, que não valeu uma dose do que ela entornou. Deveria ter enchido a cara para coisas mais importantes.

- E, lá no além, ela continua bebendo? - perguntei ao Raulzito.

- Claro! Ela continua enfiando o pé na jaca.

Abro um parênteses para dizer que no além não existe álcool. Mas existe coisa muito melhor, que não dá ressaca e ilumina. Mas isso é apenas uma fração do que os que experimentam o mundo extra-corpóreo estão permitidos a dizer.

Geralmente, as pessoas que tem contato com relatos de um desencarnado que esteja no além não ouve nada mais que o óbvio padrão: "estamos com saudades", "esperamos que estejam todos em paz", "fala para ela que eu sempre a amei", "aqui está tudo bem" etc. Nunca se ouve numa mensagem do além como é o verdadeiro rosto de Deus, por exemplo.

Isso se deve porque... como poderia explicar... É simples: ninguém entenderia.

Quantos anos é necessário para que um sujeito se forme em Medicina? Descontando os anos de faculdade, são necessários vários anos de especialização. E, mesmo assim, sempre há o que se aprender. O mesmo se aplica a Engenharia, Direito, mulheres etc.

E o sujeito quer saber todos os segredos do universo num só dia?

O ser humano, apesar de todas as tecnologias, ainda se encontra na Idade da Pedra. Sua clava tem GPS e sua caverna tem TV de LED e microondas. A roda que inventou mata milhares de pessoas por dia.

Se tivesse pleno acesso do uso de alguns poderes que tem mas não faz ideia de que tem e, muito menos, como usaria, a primeira coisa que faria seria tentar ganhar na Mega Sena ou fazer seu time de futebol ganhar um campeonato invicto. Dizimar ditadores ou ajudar um pobre coitado a largar o crack não estaria entre as prioridades.

Como diria o Raul: "Parem o universo que eu quero descer!"

Eparrei!


Hoje, realizou-se um jogo no campo de futebol no Centro Esportivo da Vila Nova Manchester. O Rogério de Moura, o médium cinematográfico que me incorpora, não joga bulhufas. Ele diz que até sabe um pouco. Porém, no momento em que a bola chegava a seus pés, ficava tão nervoso que não conseguia correr um metro com a posse da bola que trupicava e rolava no chão. O Rogério tenta justificar que, graças ao nervosismo, a bola ficava com mais de um metro de diâmetro. Para mim, não passa de um cabeça-de-bagre e não quer assumir.

Mas,devo confessar que sou um ótimo jogador de futebol. Talvez porque, nos terreiros, tenha recebido dicas do espírito do Garrincha e do Dener. Nos terreiros, o espírito do Barbosa (goleiro da seleção de 1950) é tratado com o respeito que não recebeu no mundo dos vivos.

O Rogério não queria ir. Disse que preferia ficar em casa escrevendo roteiros ou vendo os filmes do Fellini. Mas como ele me incorporou, dançou. E lá fui eu, com o corpo dele, jogar com a rapaziada do time do Portuguesinha de Vila Santa Isabel. E dei um show. Fiz dois gols, na vitória por quatro a zero em cima do time do Ressaca. Os outros dois foram marcados por Dú Neguinho e Zé Palmito. O Marmita marcou um golaço mas o juiz anulou.

Após o jogo, todos foram curtir um samba e algumas brejas para a tradicional ressaca de segunda-feira. Não fosse a cerveja e alguma doses de cachaça, o Marmita ainda estaria furioso com o gol anulado.

Lamento por não gostar de futebol tanto quanto eu gostava na infância. Naqueles tenros tempos, não ligava para a corrupção ou para a pouca instrução dos jogadores. Hoje em dia, em meio a muita corrupção, desmandos e a eterna violência das poderosas torcidas organizadas, tornou-se impossível curtir o esporte bretão. Prefiro assistir vôlei (feminino) ou curtir os gritos da Sharapova.

Nos tempos em que amava o futebol, meus ídolos eram o Sócrates, Éder, Renato Pé Murcho, Luiz Pereira, Zenon, Serginho Chulapa, o Biro-Biro, Casagrande, Gilberto Sorriso, o Flamengo de 1982, com Zico, Júnior, Leandro, Andrade, Adílio, Nunes e companhia. Todos jogavam no Brasil. 

Porque o título deste post chama-se "O Brasil é um jogador de futebol"? Simples...

Mas antes, a justificativa: o que mais me chocou após a desclassificação do Brasil da recente Copa América, não foram os inéditos quatro pênaltis perdidos que me chocaram. Foram as declarações do Lúcio, capitão da seleção, após o jogo. Meu Deus! Meus orixás! Meus caboclos! Um peão de obra parecia um Rui Barbosa diante de seu jeito de falar. Ele joga na Alemanha, ganha uma fortuna. Custava pagar um professor particular?

Há um abismo entre a raça, o empenho, a empolgação, entre as seleções brasileiras de vôlei e futebol. No vôlei, o atleta vibra e se arrebenta tentando recuperar uma bola que tenha voado na direção dos assentos na platéia. Os nossos jogadores de futebol ficam nisso: um toque pra cá, um toque pra lá, uma firula pra cá, firula pra lá, uma jogada de efeito daqui, outra acolá e... zero a zero no placar.  

Então, temos o Brasil: um país imenso, rico, bem situado dentro do cenário econômico mundial e educação zero.

No lugar de se preparar para o futuro, com educação, cultura, infra-estrutura, o Brasil-jogador-de-futebol, prefere comprar Ferraris e curtir noitadas.

A seleção feminina do Japão ganhou o campeonato mundial de futebol. As jogadoras treinam à noite. Durante o dia, vão trabalhar. Entre as jogadoras há desde agricultoras a vendedoras de loja. Estão longe de faturar milhões. E são as heroínas nacionais, inspiração para a recuperação do Japão pós-tsunami.

Eparrei!