O Rogério de Moura confessou-me que, quando criança, o nome de um lugar que sempre lhe chamou atenção foi o Muro das Lamentações. Imaginava o então menino que se tratava de um lugar em que todos choravam copiosamente.

Claro que, agora, depois de ter cruzado a faixa dos quarenta anos, ele sabe muito bem o que significa o Muro das Lamentações. Segundo a Encruzilhadapedia, trata-se do local mais sagrado do judaísmo. O único vestígio do antigo templo de Herodes, destruído por Tito no ano de 70 d.C. Muitos fiéis judeus visitam o Muro das Lamentações para orar e depositar seus desejos por escrito.

Próximo à Esquina do Além, há um lugar com um nome semelhante: a Rua das Lamentações.

Trata-se uma rua frequentada por uma infinidade de almas de pessoas que antes viviam no mundo humano. São almas cuja última frase que disseram em vida acabou sendo o principal motivo por deixarem o mundo dos vivos. Por isso, elas se reúnem para lamentar a derradeira frase de suas vidas.

Assim que uma das almas descobre não ser o portador exclusivo da última frase, chegam a rir, como se fosse uma piada. Certa vez, uma alma disse que sua última frase foi: "Que cheiro de gás é esse?". Outra alma surpreendeu-se: "Você também disse isso?" E, logo outras almas juntavam-se para comentar que essa também fora a última frase de suas vidas. Após os risos iniciais, afinal, eram uma espécie de irmãs de frase, todas voltavam a se lamentar. Afinal, estavam na Rua das Lamentações.

Entre as últimas frases das pobres almas estão: "O que acontece se eu apertar este botão?", "Enchente nenhuma vai me tirar da minha casa!", "Quem vai me obrigar a dirigir a menos de cem quilômetros?", "Desce desse carro e vem me encarar, seu filho da mãe!", "Deixa que eu encaro, sou cabra macho!", "Capacete? Pra quê?”, “Tá achando que eu sou medroso?”, "A arma não está carregada. Olha só!"
 
Existem várias almas de motoristas cuja última frase foi: "Deixa que eu dirijo, não bebi tanto assim." Encontrei a alma de um ex-machista, cuja última frase foi berrada para a esposa: "Desligar a chave para quê, sua besta! Tá querendo me ensinar como se conserta um chuveiro?"

Há um caso curioso: a alma de um corinthiano que caminhava pela rua e, ao ver um grupo de vinte palmeirenses, gritou: "Timão, êô!"
 
Uma das coisas mais angustiantes das últimas frases é o fato de não somos nós que as escolhemos, ela nos escolhe. Mas, há exceções. Por exemplo, a da alma de um velhinho bonachão que costuma a frequentar a Rua das Lamentações. Sempre aparece por lá vestindo o seu pijama, com um buraco de bala do lado esquerdo do peito. As almas dos brasileiros logo o reconhecem: "Olha lá, o Getúlio Vargas!" O velho Gegê costuma a lamentar sua última frase: "Saio da vida para entrar na história." Conversei com o finado presidente e ele me confessou que seu suicídio aconteceu não por causa do escândalo do atentado da Rua Toneleiro. O velho Gegê suicidou-se porque não teve acesso a antidepressivos.

Até o Michael Jackson mostrou suas várias caras na Rua das Lamentações. Várias caras porque a alma do finado Rei do Pop costuma a assumir várias faces ao mesmo tempo. Estão lá o menino, o moço, o adulto, o branco, o preto, com ou sem nariz... Mas sempre o mesmo Michael, fazendo trejeitos, enquanto coloca as mãos na virilha. No entanto, são gestos carregados de melancolia. O triste Michael Jackson lamentará eternamente sua última frase, dita ao seu médico de confiança: "Mais uma dose de Lorazepam, que eu aguento!"

Eparrei!