Aconteceu. Numa partida dessas, entre dois times de
futebol, ambos com 11 jogadores, um juiz e seus auxiliares, alguns gandulas,
dois técnicos berrando à beira do campo.
Diante de uma bola lançada, dois jogadores rivais disputavam a posse da gorduchinha.
Um deles cometeu uma falta, levando o adversário ao chão. O juiz apitou e, enquanto o jogador agredido se levantava, encarou o agressor e protestou:
- O cavalheiro queira, por obséquio, não mais repetir tais investidas com tamanha carga de energia!
- Nobre boleiro entenda: fi-lo porque julguei necessário para impedir o avanço do ataque do seu time!
- Não vê que, com essas investidas, corre o risco de me causar uma contusão de grandes proporções? Não vê ou recusa-se a fazê-lo?
- Estou
ciente. Mas tais fatos são corriqueiros dentro de uma partida. Quanto a isso,
caro boleiro, o senhor deveria ter a sapiência de concordar.
- Amiúde, esquece caro boleiro, que a mesma energia é a que investe contra mim em jogadas de outrora?
- Eu
repilo! Eu repilo! Essa opinião por você externada é completamente incongruente
e repugnante!
- Quem repudia o proferido sou eu! Suas afirmações são totalmente contraditórias!
- Queira, por obséquio, afastar-se de mim!
- O que você está fazendo, boleiro inconsequente, vai contra as regras estabelecidas pelo convívio civilizado.
- Como ousa a insinuar que eu não seja civilizado?! Isso é uma afronta! Retire, imediatamente o que está dizendo!
- Recuso-me,
peremptoriamente!
E... depois de tanto palavrório, não teve jeito: as mães de cada um entraram na pauta do debate e os boleiros foram ao que interessava: as vias de fato. Foram, é claro, contidos pelos colegas de time após uma breve troca de socos.
O juiz expulsou a ambos e, enquanto desciam para o vestiário, um deles murmurou para si mesmo: "A humanidade não vale a pena."
Sem terem o
que fazer, foram obrigados a esperar ao término da partida no vestiário. Um dos
jogadores voltou a ler o seu inseparável volume de bolso "Grandes
Pensamentos de Nietzsche". O outro se debruçou no quarto volume de
"Em Busca do Tempo Perdido", de Proust.
Um faxineiro
declarou que, nesse momento, "não se ouviu um 'pio' nos vestiários".
Rogério de Moura