Como o tempo é coisa relativa, enquanto descia do vigésimo andar, rumo ao térreo, ele teve tempo suficiente para repensar sobre os problemas de sua vida.

Chegando ao décimo quinto, lembrou-se do sequestro relâmpago que havia sofrido e as horas nas quais passou nas mãos do bandido. Depois concluiu que poderia superar o trauma e, quem sabe, mudar de cidade, ou ostentar menos riqueza e se prevenir quando fosse sacar uma grana no caixa eletrônico.

Chegando ao décimo andar, pensou na fortuna que devia aos bancos e em seu nome sujo na praça. Os juros abusivos. Logo em seguida, concluiu que o problema nem era tão grave assim. Poderia fazer algum acordo com os bancos e, com muito sacrifício, quitar as dívidas e limpar o seu nome no Serasa e no SPC.

No quinto andar, lembrou-se da esposa, que havia lhe pedido o divórcio. Pensou na divisão dos bens e sobre o quanto lhe sobraria depois da separação. Pensou também no vazio afetivo que herdaria. Logo a seguir, concluiu que poderia, a partir disso, encontrar um novo amor e recomeçar uma nova vida a dois com novos desafios.

Por último, pensou nos filhos. Sempre reclamavam da ausência do pai. Nunca tiveram boa relação. A filha, ainda adolescente, havia engravidado. Mas, assim que teve essa lembrança, pensou que poderia reaproximar-se dos filhos e tornar-se um pai mais presente. E que, apesar da filha ser muito jovem, ela e o futuro pai da criança poderiam, com esforço e dedicação, dar uma vida decente à criança.

Afinal, eram coisas que o afligiam. Problemas que poderiam ser agravados, mas também solucionados, com maior ou menor esforço. Apenas hipóteses.

Naquele momento, ele estava chegando ao primeiro andar. Restou-lhe alguns instantes para lembrar-se das pessoas que amava e que estava deixando. Concluiu naquele momento que não as queria deixar. Mas não havia jeito: havia pulado do vigésimo andar.

Depois disso, não pensou em mais nada.
   
 
Rogério de Moura
 
 
 
 
Em um restaurante...

- Você vai pedir strogonoff?

- Que é que tem?

- Que é que tem? É nojento!

- Nojento por quê?

- Oras, o boi foi amamentado com o quê? Com leite. A carne do strogonoff é bovina, o leite também! E aí, se prepara a carne do boi com o que ele foi amamentado... É nojento! Eu prefiro um x-salada!

Instantes depois estavam ambos almoçando naquela lanchonete. Um, com o strogonoff que pediu. 

O outro, com nojo do strogonoff, pediu um cheese burguer com alface e tomate, ou melhor, um x-salada, ou melhor, pedaços de boi moídos, preparados com um produto feito do leite colocado dentro de um pão, acompanhado por alface e tomate.

(Rogério de Moura)







Fellini é um daqueles raros (muito raros) diretores de cinema cujos filmes, depois de vistos, deixam no espectador a dúvida se assistiu a um filme ou se sonhou.

Fellini, Rogério de Moura