O sambista que só cantava "laiá-laiá"

Antes da última incorporação, o Rogério de Moura, médium que me incorpora, veio com essa pérola:

"O Brasil é uma Dona Florinda!"

Pedi que ele me explicasse esse raciocínio. Ele disse: "Vejamos, a Dona Florinda vive num lugar humilde, com pessoas do mesmo nível. Só que se acha a grã-fina. Chama aos seus vizinhos iguais de "gentalha". O Brasil não é assim com relação à América do Sul, achando que é uma espécie de Estados Unidos latino-americano?

Eu ri um pouco. Acho que o Rogério precisa tomar umas cachaças. Bem que eu gostaria de convidá-lo para tomar umas e outras, vindas diretamente de Minas Gerais no bar do Mineirinho, aqui em frente à casa de sapê. Coincidentemente, o nome do dono do bar é Jair Rodrigues, mesmo nome do famoso cantor.

Tempos atrás, no bar do Mineirinho, aqui em frente à casa de sapê, havia um grupo de sambistas que costumava nos contemplar com clássicos do samba aos sábados e domingos. Miguel Laiá-Laiá era um desses sambistas. 

O grande problema o Miguel era sua memória curta. As doses da cachaça de Minas Gerais não eram a única razão para seus esquecimentos. Eram crônicos, independente de estar bêbado ou sóbrio.

Na hora do samba, ele sempre se esquecia da letra. Então, sempre emendava um "laiá-laiá". Então, para o Miguel, os grandes sambas de Noel Rosa, Candeias, Adoniran, Vanzolini, Ataulfo Alves, Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, entre outros, sempre tinham um "laiá-laiá" no meio.

Por hábito, o Miguel foi estendendo esse "laiá-laiá" à sua vida cotidiana. Quando a esposa lhe perguntava o motivo de ter chegado em casa, de madrugada, bêbado, o Miguel respondia: "É porque... porque...", e como não sabia o que dizer, emendava "laiá-laiá". A esposa engolia a justificativa e voltava a dormir.
No trabalho, era a mesma coisa: chegando atrasado, patrão bronqueando e o Miguel se desculpava: "Sabe como é patrão..." e, sem ter o que emendar, começava o seu "laiá-laiá...". O patrão não só deixava para lá como lhe dava um aumento.

E assim, todos se acostumaram ao “laiá-laiá” do Miguel, bordão que o tornou uma figura popular no bairro. Tão popular que um integrante de um partido político o convidou para fazer parte do plantel de candidatos. 
O Miguel, que estava desempregado e endividado, topou. Nos santinhos, podia-se ler: "Vote em Miguel”. No lugar do bordão do candidato, lia-se: "Laiá-Laiá".

A campanha de Miguel Laiá-Laiá foi um sucesso. Assim que subiu ao palanque, saudou a multidão e, sem saber o que discursar, começou a cantar o seu "laiá-laiá" para o delírio do público. O seu “laiá-laiá” caiu na boca do povo e Miguel eleito com ampla contagem de votos. Tantos votos que outros candidatos foram eleitos graças à sua margem de votos, fazendo-o uma figura importante dentro do partido. 

No plenário, não se dava por rogado: "Quero dizer ao presidente da mesa... ‘laiá-laiá...’" E todos aplaudiam em pé. 

Para não fugir à tradição política, um dia, explodiu um escândalo. Superfaturamento, notas fiscais geladas, propinas e todo repertório “standard”.

No epicentro do escândalo, o nosso querido Miguel Laiá-Laiá. Coisa feia. Até as bolsas de valores despencaram. Diante de uma CPI, a presidência da mesa pediu para que o vereador explicasse o desvio de conduta. O sambista levantou-se de seu assento, pigarreou e disse: "Quero dizer a todos os presentes da mesa que... que...” E começou a cantar: “Laiá-laiá..."

No dia seguinte, as manchetes da imprensa diziam que estava tudo esclarecido, outros órgãos bradavam que tudo não passou de calúnias de adversários políticos. Uma importante figura do Judiciário declarou que não havia nada que justificasse uma investigação mais profunda.

E nosso querido Miguel seguiu sua ascensão política, feliz da vida, entoando o seu "laiá-laiá".

Eparrei!



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