Como ser negro no Brasil e não pirar?

Antes de incorporar, cruzei com Christine Chubbuck na esquina do além. Para quem não a conhece, o Google está aí ou pode optar pela Encruzilhadapedia. Para quem não conheceu seus últimos instantes,  recomendo o seguinte exercício de imaginação: começa o Jornal Nacional, a Fátima Bernardes ou o William Bonner diz: 

- Hoje, não há nenhuma noticia especial, a não ser essa...

Então puxa um revólver guardado numa gaveta debaixo da bancada, encosta na cabeça e atira. Ou a Sônia Abrão, antes de anunciar as desgraças de hábito, ela mesma se desgraçar, suicidando-se com um tiro.

A Christine Chubbuck fez isso, para a perplexidade dos espectadores. Era apresentadora de um telejornal nos anos 1970. Hoje, no além, ela se arrepende amargamente de seu suicídio em cadeia nacional. Coisas da depressão.

Hoje em dia, é moda sofrer de depressão, há tratados a respeito, tratamentos. É moda ter transtorno bipolar. Virou até desculpa para atos ilícitos. Um motorista acelerou seu automóvel sobre um grupo de ciclistas que protestava por melhores condições. A atitude chocou o Brasil. Até atrocidade seguinte, a qual não me recordo porque foi sucedida por outra atrocidade. Mas o motorista alegou que era bipolar e voltou a ser considerado o respeitável e amável cidadão de sempre e tudo ficou por isso mesmo.

Mas, nos anos 1970, ainda engatinhavam os tratamentos. A única saída de Christine foi o suidídio.

O curioso da depressão é que ela é geralmente associada a pessoas abastadas. Não se imagina um pedreiro, um torneiro mecânico ou uma faxineira em depressão. Como se o futebol do fim-de-semana curasse tudo. 

Da mesma forma, não se imagina um negro deprimido. Mas, existe alguém que seja mais vigiado, temido, monitorado que um negro brasileiro? Só pirando.

Como fez o meu médium cinematográfico, o Rogério de Moura. Ele me confessou, um dia, que ao entrar em um banco, entrar sorridente, procurando cumprimentar os seguranças e ser simpático com os caixas e atendentes. Quando ele entra de cara amarrada, a impressão que tem é que, caso tossisse ou espirrasse, todo mundo se jogaria no chão com as mãos na cabeça.

Para ele, ter que me incorporar já é barra. Fazer cinema é pior ainda. Agora, então, ele pirou de vez e resolveu fazer uma websérie chamada "Como Ser Negro no Brasil e Não Pirar", sobre um psicanalista negro que trata de negros que estão pirando ou já piraram de vez. Está produzindo pouquíssima grana, para variar. Depois vem reclamando que está na pindaíba. Ele me diz que é uma comédia, apesar do tema sério. Eu e o São Tomé só acreditaremos vendo. Em todo caso, me passou o linque do blogue dele:


http://doutorzumbi.blogspot.com


Encontrei Zumbi esses dias, para variar, na encruzilhada do além. Disse que o Rogério o chamou de Doutor Zumbi e ele sorriu.

Eu já incorporei em loiros, orientais, judeus, muçulmanos, etíopes, eritreus, budistas, javaneses... Até argentinos. De muitas eras. A maioria não fazia idéia do que estava acontecendo. Tiveram um apagão (momento em que eu assumia seus corpos) e acordavam no dia seguinte. Alguns, claro, com uma tremenda ressaca. Houve gente que acreditou ser bruxaria, ou ataque epilético. Era eu. 

Quase que matei Hitler. Infelizmente, pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, o soldado que me incorporou recobrou os sentidos momentos antes. O que não o impediu de enfrentar o pelotão de fuzilamento.


Tenho o orgulho de soltar vários escravos, quando o traficante escravocrata, sem fazer a mínima idéia, acabava por destrancar o cadeado das correntes.

Presenciei incontáveis momentos históricos. A queda da Bastilha, a invenção da locomotiva, do automóvel. Dom Pedro II pulando a varanda após um encontro com uma amante. Os momentos de iluminação de Siddhartha Gautama para tornar-se o futuro Buda. As fundações do Corinthians e do Palmeiras. Outros acreditaram ser bruxaria. 

Como ser negro no Brasil e não pirar? Eu nasci há vinte mil anos atrás. Portanto, sou mais velho que o Raul Seixas. No entanto, apesar de séculos de experiência, essa entidade que vos fala não faz a mínima idéia.

Eparrei!

O médium cinematográfico Rogério de Moura contido por uma camisa de força. 
Não teve jeito: o nego pirou.




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