Encontrei dois manos na Esquina do Além: Tebas e Rebouças. Quem?!

Antes da recente incorporação, encontrei o Rogério de Moura, médium cinematográfico que me incorpora, um tanto "alegrinho". Disse que tomou muita água de coco. Perguntei-lhe se era a conhecida "água de coco que passarinho não bebe" e ele não disse sim nem não.

Não é muito recomendado incorporar em alguém que tomou umas e outras, mas... vamos lá. Que assim seja. Não é tão arriscado do que dirigir bêbado, esse esporte nacional. Antes, batemos um papinho. Ele disse que estava comemorando a semana da Consciência Negra. Aproveitei e lhe disse que, momentos antes, havia encontrado duas entidades na Esquina do Além: o Tebas e o André Rebouças.

A Esquina do Além é uma espécie de Facebook do mundo espiritual: muitos espíritos, entidades e simpatizantes se encontram por lá.

Tebas e Rebouças viveram quando a escravidão oficial existia no Brasil. Ambos eram negros. O primeiro foi um escravo que tornou-se arquiteto. Sem diploma, mas foi. O segundo, tornou-se bacharel em ciências físicas e matemáticas pela Escola Militar. 

Tem brasileiro que acha que o negro só inventou a cachaça, o samba e a feijoada. Talento mesmo só para música e esportes. Vejamos as façanhas dessa dupla: 

No século 18, enquanto construíam a primeira catedral da Sé, em São Paulo, Tebas passava um bom tempo observando as obras. Intrigado com a curiosidade do escravo, o padre Justino, capelão do Convento do Carmo, perguntou-lhe o motivo dele estar ali. Tebas retribuiu com outra pergunta: "Cadê a torre?". Justino disse que não havia nenhum construtor capaz de erguer tal torre. Tebas, que dominava a técnica de taipa e pilão, entendia de alvenaria e hidráulica, se dispôs a construí-la, sob duas condições: receber sua carta de alforria e que o primeiro casamento da catedral fosse o dele. E, em 1755, ficou pronta a primeira catedral da Sé, com a torre construída por Tebas.

Tebas, alforriado, adotou o nome de Joaquim Pinto de Oliveira e não parou por aí. Construiu a torre do Recolhimento de Santa Teresa e o primeiro sistema de esgotos do antigo centro de Sampa. Construiu o primeiro chafariz de pedra da cidade, com granito, numa época em que o granito era desconhecido. O Largo da Memória, ao lado do metrô Anhangabaú, projeto criado por Daniel Pedro Miller, foi construído por ele. Quando alguém é muito bom em algo, é chamado de Pelé. Antes de Pelé, era chamado de Tebas. O sambista Geraldo Filme pesquisou sua vida e compôs o samba-enredo "Tebas, o Príncipe Negro."


 Largo da Memória, no centro de Sampa, ao lado do Anhanga.

André Rebouças foi filho de escravos. Tornou-se engenheiro, além de professor de botânica, cálculo e geometria na Escola Politécnica. Mais? Também foi escritor, sociólogo. Escreveu para os jornais e demais publicações da época. Participou ativamente na luta contra a escravidão.

A principal avenida que liga a Zona Oeste e o centro da capital paulista, por onde passam milhares de pessoas diariamente, foi batizada com seu nome: Avenida Rebouças. Fica a dúvida porque não colocaram o nome completo. 

Rebouças já desencarnou e encarnou outras vezes. Em uma dessas encarnações, chegou a ser loiro de olhos azuis. Mas o período mais fascinante de seu espírito foi quando encarnou o negro abolicionista. 

Enquanto conversava com o Tebas e o Rebouças, notei uma certa melancolia nas vozes de ambos. "Alegria, minha gente! Estamos na Semana da Consciência Negra. Isso é um avanço. Os negros progrediram. Cada vez mais negros têm consciência de seus direitos", disse, tentando animá-los. Tebas veio com essa: "Os negros só terão plena capacidade de conquistar seus direitos a partir do momento em que passarem a ler pelo menos um livro por mês."

“Que depressão!”, respondi. “As coisas avançam. Às vezes, num ritmo tão lento que podem parecer retrocesso. Mas que avançam, avançam.”

Rebouças retirou do bolso um papel contendo uma frase que havia escrito logo após a abolição: "No Brasil não falta mão de obra. Falta moral, caridade, educação, indústria e comunicações. Só assim avançaremos e melhoraremos as condições de vida da população."

Séculos depois, tudo na mesma. Dia desses, encontrei um verso rabiscado em garranchos pelo Rogério em um pedaço de papel higiênico. Sabe-se lá em que circunstâncias ele escreveu. Mas, resume a situação:

Muito se passou.
Envelheceu o mundo
Um segundo.
Nada mudou.

 
 André Rebouças, mais conhecido como avenida.


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