O asilo das promessas de fim de ano

É para lá que vão todas as promessas não cumpridas após todo fim de ano.

Na Esquina do Além, por onde passo antes de chegar ao mundo corpóreo e incorporar no médium cinematográfico, o afro-cineasta Rogério de Moura, há o Asilo das Promessas de Fim de Ano.

Todas as promessas têm alma, inclusive as falsas. Não se trata de um asilo para espíritos aposentados. Afinal, todos os espíritos são eternamente jovens, seja a de um humano, a de um cão, um gato, um ornitorrinco, uma lesma ou uma ameba.

As dimensões do Asilo das Promessas de Fim de Ano não podem ser medidas com os mesmos parâmetros do mundo dos humanos vivos. Eu diria que tem o mesmo tamanho do estado do Amazonas. Alguns recantos do asilo se dividiram em verdadeiras cidades. Isso aconteceu porque as promessas começaram a dividir-se em grupos. As promessas de parar de beber formam a maior cidade.

Há as promessas de pessoas que foram líderes, como Getúlio Vargas, Juscelino, Gandhi. Todas sobre quando eles iriam dedicar mais tempo às suas famílias.

Há as promessas de torcedores de futebol, que prometeram igualmente gastar mais tempo com suas amadas.

Promessas de guardar dinheiro para um futuro melhor estão entre as promessas mais feitas.

A maioria dos frequentadores desse asilo são  as promessas feitas por pessoas humildes. Como por exemplo a de João, que prometeu finalmente encontrar um emprego; a de Jéssica, que pretende estudar Medicina, a de Vanilda, que vai parar de vez de se preocupar com a vida alheia; a de Tarcísio, que jura largar o crack; a Bia, que jurou de uma vez por todas abandonar a autopiedade e dar a volta por cima; ou o Pedro, que jurou largar a vida no crime; Milena vai se dedicar mais aos estudos e menos aos 'shoppings'; o Heitor jurou nunca mais voltar para a cadeia; a Emília prometeu se desfazer de seus vinte e cinco gatos.

Todas as promessas ainda ficam por lá, independente do autor estar vivo ou não. Há momentos em que várias gerações de promessas se encontram. Como a promessa do jogador Adriano entrar em boa forma e retornar ao futebol.

Há algumas do Rogério de Moura, que vez em quando se encontram e trocam boas piadas sobre o autor delas.

Desses grupos, há uma minoria, por vezes discriminada: as almas das promessas de fim de ano de pessoas que juraram nunca mais fazer promessas de fim de ano.

E ku odun, e hu iye’ dun! *

                                                                                                     Jovem Preto Velho
                                                                                                     (Rogério de Moura)



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