Antes da minha incorporação semanal no Rogério de
Moura, médium cinematográfico, eis que o encontro cansado,
exaurido. Pudera! O coitado havia acabado de descer do ônibus. Um
dia de trabalho árduo de filmagem não equivalem ao esforço que se
faz em uma hora viajando de ônibus em São Paulo.
Bronqueei com o Rogério. Já estava na hora de
comprar um automóvel. Ele me disse: "Não fiz auto-escola.
Dirigir? Só filmes."
Um aviso aos solitários e deprimidos. Necessita de
calor humano? Encare um ônibus no horário de pico. Após duas horas
espremendo-se por entre os outros passageiros, distribuindo
cotoveladas involuntárias e pedindo desculpas, a primeira coisa que
vem à cabeça após descer do coletivo é passar as próximas duas
semanas isolado em uma caverna, longe de qualquer contato humano.
Pelo menos, foi o que o Rogério praguejava,
enquanto tentava recobrar o fôlego. Como não dá para incorporar
plenamente em alguém sem energia física, adiei a sessão de
incorporação em duas horas. Deixei-o sentado numa poltrona, tomando
uma cervejinha e assistindo uma comédia do Billy Wilder, na promessa
de voltar horas depois. O que fazer enquanto isso? Decidi voltar ao
além.
Na Esquina do Além, encontrei o José Vasconcelos,
o pai da stand up comedy brasileira. Estava lá fazendo meio mundo
rir. Na platéia, entidade de todas as eras, planetas e dimensões.
Estava lá o Steve Jobs, prestando mais atenção ao seu último
lançamento: o i-Heaven. Aparelho que, segundo ele,
revolucionaria a comunicação por todo o além. Cada entidade era
seu próprio servidor.
Passou por lá o Kadafi, abatido, sangrando. Parecia
ter se envolvido numa briga entre torcidas organizadas.
Não fiquei muito tempo assistindo ao show do
Vasconcelos. Teria que voltar ao mundo carnal para incorporar no
Rogério e escrever estas palavras.
Mas antes, passei em frente ao Beco das Palavras Não
Ditas. É um lugar lúgrube, para onde vão todas as palavras que as
pessoas desencarnadas pensaram em dizer quando eram vivas e nunca
tiveram coragem. Geralmente, as palavras não ditas atormentam as
almas de quem as criou e não teve coragem de dizê-las.
Assim que alguém bate as botas, essas palavras
seguirão sua alma pela jornada através do além. Em determinado
momento, essas palavras ganham personalidade própria. Muitas se
juntam em grupos, em frases. Algumas palavras não ditas chegam até
a se casar.
Estão lá frases como: "Eu te perdôo!",
"Faria tudo de novo.", "Eu sou seu verdadeiro
pai.", "O tempo que perdi em filas.", "Chefe,
porque você não vai se foder?", entre outras. Há também
muitos palavrões, que ficaram engasgados na boca de alguém que não
teve coragem de proferi-los. Um caso curioso é o "eu te
amo". Há dois tipos: os falsos e os sinceros.
No Beco das Palavras Não Ditas não há um "eu
te amo" que não seja sincero. Os "eu te amo"
falsos se espalham no mundo carnal. É uma espécie de "eu te
amo" as pessoas dizem com facilidade. Um "eu te amo"
sincero, é difícil de se ouvir.
Tem um grupo curioso de palavras que ficam em grupo,
em um canto escuro do Beco das Palavras Não Ditas. São elas: "fui
eu quem cometeu o crime", "sou eu o ladrão".
Quem desencarnou, nunca as disse. E elas encontram lá, na escuridão,
quietas e soturnas.
As demais palavras nem se aproximam, morrendo de
medo.
Eparrei!
Rogério de Moura
só quero te dizer, rogério, que conheci o Beco das Palavras Não Ditas. concordo, é um lugar lúgrube. Fica perto de uma estação de trem numa cidadezinha do interior. lá você também encontra outro lugar curioso: a fiquicionaria. lugar estranhíssimo! parece um bar e doceria comum. só parece. qualquer dia te conto estas istórias do ládo de cá.
ResponderExcluirbj grande
j.s.