O progresso [enfim, chegou]

Naquela rua havia uma praça, com uma árvore, com uma família de joão-de-barro, com um beija-flor, com um sabiá . Ao redor da árvore havia crianças que brincavam de pega-pega e esconde-esconde. Mas isso foi há muitos anos atrás. Elas corriam em meio aos realejos e aos vendedores de bijus. E continuaram correndo por anos. Ainda conseguiam jogar futebol no asfalto, em meio a alguns automóveis. Depois sumiram, por causa do trânsito. Porém, as crianças e a alegria que proporcionavam não eram coisa produtiva. Assim como o cochilo após o almoço em dia de expediente.


Naquele bairro havia um campo de várzea. Agora cedeu lugar a um produtivo banco, assaltado pela terceira vez nesta semana. Mas o campo não era coisa produtiva.


Naquela rua havia casas cobertas com telhas de barro e quintais com mangueiras e goiabeiras. Hoje, apenas prédios, condomínios, um shopping-center e uma horda de pessoas que não se cumprimentam, enquanto fazem compras. Tudo ficou mais moderno e produtivo. Tudo em nome do progresso.


Tempos atrás, naquele mesmo lugar, pessoas sorriam e se cumprimentavam. Hoje em dia, ninguém se conhece, ninguém sorri, ninguém diz um "bom dia". 

O que se vê é um mar de prédios cobrindo o horizonte enquanto um violento rio de automóveis se espalha pelas entranhas do bairro. Motoristas em fúria, ofendendo-se enquanto espancam suas buzinas. Uma legião de consumidores fazendo compras.


Dizem que o lugar progrediu, que está mais produtivo. Tenho sérias dúvidas quanto a isso. 

Mas não sou ninguém. Apenas um órfão do antigo bairro.


Eparrei!


Rogério de Moura




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